O 25 de Abril trouxe-nos muitas «primeiras vezes». E a mais simbólica é com certeza o voto. Contamos-lhe duas histórias do dia em que, pela primeira vez, a cruzinha serviu para assinar a Liberdade.
Ser o bisneto a ensinar a bisavó a votar? Será que um dia, com a evolução tecnológica, para votar será preciso dominar ferramentas digitais ou códigos que não domino?
Só espero ter ao meu lado alguém como o Carlos. É passageiro frequente no «Escrever sai à Rua», fotografa e escreve. Olhar e palavras atentas ao que vamos cruzando. Num desses eventos, ao passar por um pátio da Graça, partilhou uma memória do 25 de abril de 1975.
A sua bisavó, Maria, tinha à data 79 anos. Morava perto do Castelo de São Jorge, na Rua do Recolhimento. «Uma casa de paredes grossas, quartos minúsculos e escuros, uma torneira de água, cheiro a candeeiro de petróleo, num pátio mouro com poço e tudo.» A possibilidade de aprender a ler nunca atravessou aquelas paredes grossas, nem aquelas das casas das «boas-famílias» onde Maria trabalhou, nem a casa onde nasceu na zona saloia de Lisboa.
Mas o bisneto, Carlos, reconhecia nela a capacidade para fazer muitas outras leituras: «ela captava os meus humores, o que se passava na minha cabeça e coração de adolescente, sacudidos pelo fervilhar político, os estudos e as paixonetas.» E ciente da pessoa que Maria era, decidiu sondar em quem votaria nessas primeiras eleições. Entre comunistas, socialistas, cristãos e todos os que se apresentavam na lista, «eu gosto é dos reis», disse ao neto.
«Peguei numa folha de papel e desenhei um boletim de votos com várias linhas e quadradinhos. Mostrei-lhe o tridente ou o psi do PPM, e disse-lhe para pôr uma cruzinha dentro do quadradinho à frente da “forquilha”. Praticámos várias vezes, as cruzinhas estavam bonitas. Estou convicto que um dos 32 526 votos no PPM nesse dia 25 de abril de 1975 era da minha vó Maria.
A Alda Pereira, também nossa aluna, era nesse tempo professora do ensino secundário e contou-nos como foi votar pela primeira vez. Diz ter a memória de se sentir a participar na construção de um novo país. «Na véspera fui à Junta de Freguesia consultar os cadernos eleitorais para saber qual a mesa onde ia votar. Decidi ir votar por volta das 11 e tal, na ideia de que haveria pouca gente, porque a essa hora as pessoas deveriam estar na missa. Engano meu, verifiquei depois. Na rua havia muita gente, carros que passavam a buzinar. Já perto do local, era visível uma fila enorme no passeio. Fiquei espantada. Penso que estive mais de uma hora na fila. Quando entrei na minha secção de voto, senti-me emocionada. A “cabine” para votar tinha uma esferográfica, mas eu tinha levado a minha e foi com esta que fiz a cruz! Quando cheguei com o voto dobrado em quatro à mesa da assembleia de voto, estendi a mão para colocar o boletim na urna, mas o presidente da mesa tirou-me o prazer de enfiar o papel dobrado na respetiva ranhura. Lembro-me de ter ficado dececionada, mas não arredei pé até ter a certeza que o meu voto tinha entrado.»
A Alda estreava nessa data um ritual. «Ainda hoje, quando vou votar levo a minha esferográfica!» garante.